Na último dia 29, dois trens quase colidiram na Estação Vila Prudente.
Em áudio obtido pela RBA, engenheiro do Metrô diz que o problema já era
conhecido desde a apresentação do sistema
O Controle de Trens Baseado em Comunicação (CBTC, na sigla em
inglês), sistema operacional da Linha 2-Verde do Metrô (Vila
Madalena-Vila Prudente), pode definir a mesma rota para dois trens, sem
verificar o risco de colisão entre eles. A situação quase levou ao
choque entre as composições G19 e G20, na manhã do dia 29 de setembro,
na estação Vila Prudente, na zona leste de São Paulo.
Em áudio obtido pela
RBA, o engenheiro de
sinalização do Metrô Marcelo Martins diz que o problema é conhecido pela
companhia, que aguarda uma solução pela Alstom, fornecedora do
equipamento, na próxima versão, que não tem data para ser instalada na
linha.
“Desde quando o CBTC foi mostrado pra gente, em fábrica, já tem essa
dificuldade e o Metrô briga com a Alstom até hoje para resolver esse
problema. O que o Metrô quer e que vai ser resolvido na próxima versão
do CBTC é que os equipamentos de campo, não o OTS (operador do trem),
fiquem responsabilizados para não deixar alinhar essa rota no lugar onde
já tem um trem”, relata Martins – trecho do áudio pode ser ouvido ao
final da reportagem. Ou seja, hoje, quando o sistema falha, cabe
exclusivamente aos operadores perceber o problema e garantir a segurança
da composição e dos passageiros.
O áudio diz respeito à reunião da Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes (Cipa) da Linha 2-Verde do Metrô paulista, realizada no último
dia 5, para discutir o ocorrido em 29 de setembro. Segundo documentos
repassados à
RBA pelo Sindicato dos Metroviários de São
Paulo, parte do sistema operacional falhou e o trem G19, que saia da
estação Tamanduateí (TTI) com destino à estação Vila Prudente (VPT)
carregado de passageiros, foi mandado em direção ao trem G20, que estava
parado no local. Ao perceber o problema, visualizando que havia um trem
parado, e sua velocidade estava em cerca de 50km/h, o operador do trem
acionou o freio de emergência e conseguiu parar a composição.
Ainda segundo os documentos, as telas de monitoramento do Centro de
Controle Operacional (CCO) ficaram “congeladas” por 50 segundos, não
mostrando o que estava ocorrendo na Linha 2. Nesse tempo, o trem G20
solicitou rota para concluir seu percurso e, sem resposta, o próprio
CBTC o encaminhou para a plataforma 2 da estação Vila Prudente. Quando o
sistema retornou, o trem G19 acabou seguindo a rota definida para o
G20, quando devia ter sido mandado para a plataforma 1.
Os sistemas de controle de velocidade, definição de rota e segurança
contra colisão são separados nessa linha. Nas linhas 1-Azul e
3-Vermelha, o sistema ATC controla todas as funções. E ocorreu que,
enquanto um sistema definiu a rota, o que deveria verificar a segurança
falhou. E o G19 foi de encontro ao G20. “Tem um equipamento que faz
alinhamento de rota. Ele não fica vendo onde está o trem. Isso quem faz é
outro equipamento. Esse equipamento que alinha rota obedece o CCO. O
que aconteceu, provavelmente, o OTS solicitou a rota para o trem G20 e
não teve retorno dessa informação. Isso fez com que, ao voltar a
indicação, o trem G20 já estava lá”, explicou Martins na reunião.
Para os trabalhadores, o problema é grave, como se pode concluir de emails obtidos pela
RBA,
como um pedido de reunião entre agentes da Cipa e da direção do Metrô.
“Essa situação, aparentemente causada por falha no sistema, foi de
extrema gravidade e deve ser analisada imediatamente em todas as
instâncias necessárias”, diz o documento. E prossegue, destacando que
“as constantes falhas que o atual sistema de controle de trens ocasiona
trazem insegurança” e que a Cipa “já tratou sobre situações semelhantes
(...) demonstrando que este ocorrido relatado não pode ser considerado
de forma isolada”.
A companhia minimizou o caso em outro e-mail, em resposta ao pedido
da Cipa, alegando que “não houve falha de segurança no sistema, pois o
trem G19 iria parar a uma distância segura do G20”. Em e-mail assinado
pelo supervisor de operação Nilo Leite da Cunha, é relatado que “em
nenhum momento os empregados que estavam operando os trens correram
riscos graves de acidente”. E afirma que a velocidade do trem no momento
da parada era de 30km/h, e não 50 km/h, como relatou o operador.
Porém, segundo relatórios administrativos, a situação era grave. A
operadora do G20 relatou que estava pedindo liberação da plataforma ao
CCO, quando notou que outro trem se aproximava. “Comecei a falar com o
CCO quando vi o trem chegando pelo túnel. Pensei que ele havia me retido
devido ao trem que vinha e que provavelmente iria primeiro para a via 1
e depois o meu seria despachado. Acabei de falar com o CCO e na
sequência ele começou a falar continuamente para o G19 parar. Percebi
que o trem vinha em minha direção. Comecei a dar farol para ele
atentar-se, caso não estivesse ouvindo o CCO”.
O operador do trem G19 relatou que não percebeu nada de anormal na
composição. Martins admitiu aos trabalhadores que a composição vinha
apresentando pequenos problemas de comunicação desde o início da manhã
daquele dia. O instrutor do relatório conclui que a “atuação do OTM2-TRA
(
operador de trem) foi correta, merece elogios, evitou um possível acidente”.
A recorrência das falhas no CBTC da linha 2-Verde já foi alvo de
várias denúncias dos metroviários. E pode ser comprovada no próprio
áudio, quando o engenheiro Marcelo Martins relata que um caso semelhante
ao do dia 29 ocorreu na estação Vila Madalena, da mesma Linha 2-Verde.
“Assim como aconteceu em VPT, nós tivemos recentemente, só pra ilustrar
pra vocês, um (
trem da frota) K quebrou em (Vila) Madalena 1 e o
CCO demorou para reagir e o trem que veio de trás alinhou rota e
encostou no outro. Foi um transtorno. Aí já é tarde. Eu tenho um trem
que não anda e o outro trem já entrou na rota”, afirmou, sem dizer a
data da ocorrência.
Outro relatório administrativo da companhia, datado de 28 de
setembro, relata o caso da composição E06, que após ser estacionada,
iniciou sozinha o procedimento de partida da plataforma. “Ao deixar o
trem conforme procedimento no comando Leste, o trem fez o barulho
característico de inversão de comando e buzinou duas vezes avisando
despacho, aliviou freio e movimentou-se por aproximadamente um metro em
direção ao trem E01. Imediatamente dei emergência pela bola vermelha
parando o trem completamente. Perguntei à torre se ele havia despachado o
trem, como a resposta foi negativa, solicitei permissão para realinhar o
trem de volta ao ponto de parada”.
O sistema passou a operar integralmente na Linha 2-Verde em fevereiro
deste ano. O CBTC foi adquirido pelo governo de Geraldo Alckmin (PSDB),
da Alstom, em 2008. A promessa era reduzir o intervalo entre trens em
todas as linhas, mas, até agora, a aplicação só funciona na linha verde.
Porém, desde a instalação, a linha é a que mais apresenta problemas.
Segundo dados obtidos por Lei de Acesso à Informação pelo site
Fiquem Sabendo,
a Linha 2-Verde teve 17 panes com gravidade entre janeiro e julho de
2016, quando a circulação dos trens foi interrompida ou prejudicada por
tempo considerável.
Procurado, o Metrô não se manifestou.