Cinco anos depois de assinar um contrato de R$ 780 milhões com o governo de São Paulo para a modernização de três linhas do Metrô, a fabricante francesa Alstom - suspeita de irregularidades em licitações - não entregou o serviço combinado. O prazo original venceu em 2011 e, atualmente, o contrato está em processo de negociação de aditivos.
Conforme apurou o Valor, a empresa já recebeu quase R$ 490 milhões em pagamentos do governo do Estado para a execução do serviço. O sistema contratado foi o Communication-based train control (CBTC), que proporciona redução da distância entre trens e maior frequência de embarque de passageiros. Se instalado, poderia reduzir o intervalo entre trens em 58%, contribuindo para a vazão dos usuários e para a redução da superlotação nas horas de pico.
Pelo contrato assinado em julho de 2008, a tecnologia teria que ser instalada nas três principais linhas do metrô paulistano. Entre elas, as duas mais usadas: a linha 1-Azul e a 3-Vermelha, que atendem em média mais de dois milhões de passageiros ao dia. Mas a Alstom só instalou o sistema, em caráter de teste, em alguns trechos da linha 2-Verde. Em nenhum caso a fabricante concluiu o serviço contratado.
A concorrência por esse contrato incluiu, além da Alstom, as fabricantes Siemens, MPE e um consórcio composto pelas empresas Thales e Tejofran. Os quatro concorrentes, com exceção da Thales, são citados em uma investigação por formação de cartel em concorrências realizadas pelo governo do Estado de São Paulo no setor de transportes (entre 1998 e 2007). Algumas companhias também são citadas como responsáveis por supostos repasses que beneficiariam membros do governo paulista em acordos para processos licitatórios. Entre os órgãos que participam da análise, está o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Procurado, o Metrô confirmou que a Alstom deixou de entregar os serviços e informou que os pagamentos para a empresa deixaram de ser realizados. "Em razão dos atrasos da empresa, foram aplicadas multas que somam R$ 77 milhões. Os pagamentos da Alstom [por parte do Metrô] estão suspensos há um ano por decisão da própria empresa", diz texto enviado pela assessoria de imprensa.
O Metrô também diz esperar que os testes na linha 2 sejam concluídos "a partir do segundo semestre deste ano". "Com o CBTC, o intervalo entre trens da Linha 2 passará dos atuais 180 segundos para 75 segundos", diz a nota, que informa que os trabalhos nas linhas 1 e 2 já estão em andamento por parte da Alstom.
Procurada, a Alstom afirma que os atrasos da instalação do CBTC são de ordem técnica e que houve uma "reorganização global do projeto". "Para considerar as necessidades de cada cliente e cada particularidade, e a fim de atingir a melhor solução, ficou decidido adaptar a implementação técnica do projeto, levando-se em conta o retorno de experiência com o cliente, o que motivou a reorganização global do projeto a essas fases de implantação", disse na nota.
Segundo o Sindicato dos Metroviários, que representa os trabalhadores em metrô, o os testes feitos pela Alstom na linha 2 acusaram problemas de segurança para usuários e funcionários. Para a entidade, a empresa não tinha qualificação suficiente para fornecer os equipamentos no prazo combinado.
Agora, o contrato está sob análise do Ministério Público do Estado para a possibilidade de haver alterações, conhecidas como aditivos. A assessoria de imprensa do órgão não pôde informar que aditivos são esses e se eles podem incluir novo prazo ou até um maior valor de contrato.
No Cade, as investigações sobre irregularidades em licitações do transporte paulista tiveram início neste ano após um acordo de leniência com a alemã Siemens, que decidiu denunciar o esquema de cartel, em maio. Por esse dispositivo legal que permite que um participante de cartel denuncie a prática e coopere com as investigações. Em troca, recebe imunidade administrativa e criminal. O Cade, os Ministérios Públicos do Estado e Federal.
Valor Econômico