Falhas atingem novamente composições da frota K, reformadas por empresa acusada de cartel. Problemas constantes irritam condutores, que denunciam: há risco iminente de acidentes mais graves
Nos últimos dias 1º e 2 de novembro, dois trens recém-reformados se movimentaram com as portas abertas no Metrô de São Paulo. As falhas ocorreram na Linha 3 Vermelha, que liga a cidade de leste a oeste. As composições com defeito foram recondicionadas há menos de três anos pelo consórcio MTTrens, liderado pela TTrans, empresa envolvida nas denúncias de formação de cartel para burlar a concorrência em editais para modernização da frota e ampliação da malha metroferroviária no estado. Integrantes da administração tucana teriam acobertado o conluio.
O primeiro trem a apresentar problema com as portas é conhecido internamente como K05. No dia 1º de novembro, sexta-feira, por volta das 15h, a composição estava chegando à plataforma da estação Pedro II, no centro da capital, quando a porta número 7 do carro 3 abriu-se antes que o trem parasse completamente. Um funcionário que estava na estação percebeu a falha e avisou imediatamente o Centro de Controle Operacional. O vagão foi esvaziado. De acordo com o relatório de falhas, ao qual Rede Brasil Atual e Outras Palavras tiveram acesso, o operador “isolou” o carro com problema e seguiu viagem.
A falha é considerada grave tanto por funcionários como pelos protocolos da Companhia do Metrô. Tanto que o trem K05 foi recolhido logo após a ocorrência. E continua retido até hoje, sob análise dos técnicos e engenheiros da Comissão Permanente de Segurança (Copese) da empresa. Como o próprio nome diz, o órgão só é acionado em caso de falhas que comprometem a segurança do sistema, dos metroviários ou dos usuários. É a Copese que está investigando, por exemplo, as causas do descarrilamento ocorrido último 5 de agosto na Linha 3 Vermelha, outra pane a atingir uma das composições da frota K.
Menos de 24 horas depois da falha com o K05, no sábado, 2 de novembro, Dia de Finados, o trem K01, também reformado pela MTTrens, se movimentaria com portas abertas. O defeito aconteceu às 7h30 na estação Belém, na zona leste. O problema foi parecido com o registrado no dia anterior: a composição abriu portas antes de parar totalmente na plataforma. Porém, com um agravante: o trem acelerou antes de fechá-las por inteiro. O defeito obrigou o operador a acionar os freios de emergência para paralisar a composição, que estava no modo automático. Os técnicos do Metrô recolheram o K01, não encontraram anormalidades e o colocaram de volta em circulação.
Os novos problemas motivaram os funcionários da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) de Operação da Linha 3 Vermelha a pedir uma reunião extraordinária para discutir a situação. A requisição, enviada por e-mail ainda no feriado, foi negada. Amparados pela legislação trabalhista e por normas internas, os metroviários insistem na realização de encontros temáticos para discutir falhas graves porque é a única chance que possuem para receberem informações oficiais do Metrô sobre os defeitos no sistema. Caso contrário, assim como faz com a imprensa, a empresa não se pronuncia. E os funcionários ficam sem saber o que de fato ocasionou o problema.
Histórico
Essa não é a primeira vez que trens da frota K apresentam defeitos na abertura de portas. Há pouco mais de um mês, no dia 2 de outubro, a mesma composição que descarrilou no dia 5 de agosto – a K07 – abriu sozinha todas as suas portas, em todos os vagões, inclusive no lado oposto ao da plataforma, onde fica o trilho energizado de alta voltagem. À diferença das falhas ocorridas na semana passada, porém, os vagões estavam parados na estação Santa Cecília. Apesar de graves, nenhuma das três ocorrências foi divulgada publicamente. Todavia, estão registradas nos sistemas de segurança do Metrô. A informação foi obtida por RBA e Outras Palavras com funcionários que não quiseram se identificar por medo de represálias.
Cansados do secretismo da empresa, que, dizem, coloca em risco a vida de usuários e suas próprias vidas, metroviários também repassaram à reportagem uma extensa lista de falhas registradas em outros trens da frota K durante o mês de outubro. Os defeitos são recorrentes. O relatório dos funcionários aponta, por exemplo, que o trem K07 (o mesmo do descarrilamento, o mesmo das portas) apresentou “falha de tração” no dia 23 de outubro e teve de ser evacuado. Também no dia 23, problema semelhante atingiu as composições K14 e K24, que também foram evacuadas.
De volta à operação, o K24 seria evacuado novamente no dia seguinte, então com falha nos freios. Dia 30 de outubro, seria a vez do trem K14 regressar ao pátio, impedido de prestar serviço à população. A lista de problemas relatados pelos metroviários é extensa e inclui ainda as composições K22 e K10. Tantas panes fazem com que os trens reformados pelo consórcio MTTrens tenham rendimento muito inferior aos demais. E isso apesar do alto valor pago pelo Metrô para modernizá-los, cerca de 80% do preço de um novo.
Uma breve comparação feita por metroviários aponta que as composições da frota K rodam, em média, 230 quilômetros por dia e passam aproximadamente oito horas diárias fora de circulação, por causa das sucessivas falhas. Um trem antigo possui prognóstico muito melhor: fica cerca de quatro horas em manutenção e circula 550 quilômetros por dia. É um desempenho 130% maior, sempre em números aproximados.
Some-se às novas informações o histórico de falhas que vem sendo publicado por RBA e Outras Palavras desde agosto. Outro levantamento informal realizado com base nos registros oficiais do Metrô atesta que, apesar de serem novos ou recém-reformados, os trens fornecidos pelas empresas do cartel – entre eles toda a frota K – apresentam quantidade de defeitos até quatro vezes maior que as composições antigas, com cerca de 30 anos de uso. Algumas chegam a registrar média de 35 problemas técnicos por dia.
“É muito exagero uma empresa que transporta quatro milhões de pessoas por dia usar o acaso como controle de qualidade”, protesta um metroviário ouvido pela reportagem, e que prefere manter o anonimato. Na conversa que tivemos com alguns funcionários do Metrô, há algumas semanas, é nítida a insatisfação com a falta de transparência. “A companhia é uma caixa blindada jogada no fundo do mar. Não nos dizem nada. Em caso de acidentes graves, os primeiros a morrer seremos nós.”
Os metroviários afirmam que, ao esconder informações sobre as constantes falhas que acometem o sistema, a empresa, além de esconder do público a situação real do Metrô, perde uma “grande” oportunidade de preparar melhor seus quadros. “Erros são didáticos”, afirma um funcionário com mais de 20 anos de casa. “Se bem instruído sobre a origem dos problemas, todo mundo aprende. Isso acontecia antes. Agora, não acontece mais.”
Procurada, a Companhia do Metrô não respondeu à solicitação de entrevista.
por Tadeu Breda, da Rede Brasil Atual, e Vinícius Gomes
Nos últimos dias 1º e 2 de novembro, dois trens recém-reformados se movimentaram com as portas abertas no Metrô de São Paulo. As falhas ocorreram na Linha 3 Vermelha, que liga a cidade de leste a oeste. As composições com defeito foram recondicionadas há menos de três anos pelo consórcio MTTrens, liderado pela TTrans, empresa envolvida nas denúncias de formação de cartel para burlar a concorrência em editais para modernização da frota e ampliação da malha metroferroviária no estado. Integrantes da administração tucana teriam acobertado o conluio.
O primeiro trem a apresentar problema com as portas é conhecido internamente como K05. No dia 1º de novembro, sexta-feira, por volta das 15h, a composição estava chegando à plataforma da estação Pedro II, no centro da capital, quando a porta número 7 do carro 3 abriu-se antes que o trem parasse completamente. Um funcionário que estava na estação percebeu a falha e avisou imediatamente o Centro de Controle Operacional. O vagão foi esvaziado. De acordo com o relatório de falhas, ao qual Rede Brasil Atual e Outras Palavras tiveram acesso, o operador “isolou” o carro com problema e seguiu viagem.
A falha é considerada grave tanto por funcionários como pelos protocolos da Companhia do Metrô. Tanto que o trem K05 foi recolhido logo após a ocorrência. E continua retido até hoje, sob análise dos técnicos e engenheiros da Comissão Permanente de Segurança (Copese) da empresa. Como o próprio nome diz, o órgão só é acionado em caso de falhas que comprometem a segurança do sistema, dos metroviários ou dos usuários. É a Copese que está investigando, por exemplo, as causas do descarrilamento ocorrido último 5 de agosto na Linha 3 Vermelha, outra pane a atingir uma das composições da frota K.
Menos de 24 horas depois da falha com o K05, no sábado, 2 de novembro, Dia de Finados, o trem K01, também reformado pela MTTrens, se movimentaria com portas abertas. O defeito aconteceu às 7h30 na estação Belém, na zona leste. O problema foi parecido com o registrado no dia anterior: a composição abriu portas antes de parar totalmente na plataforma. Porém, com um agravante: o trem acelerou antes de fechá-las por inteiro. O defeito obrigou o operador a acionar os freios de emergência para paralisar a composição, que estava no modo automático. Os técnicos do Metrô recolheram o K01, não encontraram anormalidades e o colocaram de volta em circulação.
Os novos problemas motivaram os funcionários da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) de Operação da Linha 3 Vermelha a pedir uma reunião extraordinária para discutir a situação. A requisição, enviada por e-mail ainda no feriado, foi negada. Amparados pela legislação trabalhista e por normas internas, os metroviários insistem na realização de encontros temáticos para discutir falhas graves porque é a única chance que possuem para receberem informações oficiais do Metrô sobre os defeitos no sistema. Caso contrário, assim como faz com a imprensa, a empresa não se pronuncia. E os funcionários ficam sem saber o que de fato ocasionou o problema.
Histórico
Essa não é a primeira vez que trens da frota K apresentam defeitos na abertura de portas. Há pouco mais de um mês, no dia 2 de outubro, a mesma composição que descarrilou no dia 5 de agosto – a K07 – abriu sozinha todas as suas portas, em todos os vagões, inclusive no lado oposto ao da plataforma, onde fica o trilho energizado de alta voltagem. À diferença das falhas ocorridas na semana passada, porém, os vagões estavam parados na estação Santa Cecília. Apesar de graves, nenhuma das três ocorrências foi divulgada publicamente. Todavia, estão registradas nos sistemas de segurança do Metrô. A informação foi obtida por RBA e Outras Palavras com funcionários que não quiseram se identificar por medo de represálias.
Cansados do secretismo da empresa, que, dizem, coloca em risco a vida de usuários e suas próprias vidas, metroviários também repassaram à reportagem uma extensa lista de falhas registradas em outros trens da frota K durante o mês de outubro. Os defeitos são recorrentes. O relatório dos funcionários aponta, por exemplo, que o trem K07 (o mesmo do descarrilamento, o mesmo das portas) apresentou “falha de tração” no dia 23 de outubro e teve de ser evacuado. Também no dia 23, problema semelhante atingiu as composições K14 e K24, que também foram evacuadas.
De volta à operação, o K24 seria evacuado novamente no dia seguinte, então com falha nos freios. Dia 30 de outubro, seria a vez do trem K14 regressar ao pátio, impedido de prestar serviço à população. A lista de problemas relatados pelos metroviários é extensa e inclui ainda as composições K22 e K10. Tantas panes fazem com que os trens reformados pelo consórcio MTTrens tenham rendimento muito inferior aos demais. E isso apesar do alto valor pago pelo Metrô para modernizá-los, cerca de 80% do preço de um novo.
Uma breve comparação feita por metroviários aponta que as composições da frota K rodam, em média, 230 quilômetros por dia e passam aproximadamente oito horas diárias fora de circulação, por causa das sucessivas falhas. Um trem antigo possui prognóstico muito melhor: fica cerca de quatro horas em manutenção e circula 550 quilômetros por dia. É um desempenho 130% maior, sempre em números aproximados.
Some-se às novas informações o histórico de falhas que vem sendo publicado por RBA e Outras Palavras desde agosto. Outro levantamento informal realizado com base nos registros oficiais do Metrô atesta que, apesar de serem novos ou recém-reformados, os trens fornecidos pelas empresas do cartel – entre eles toda a frota K – apresentam quantidade de defeitos até quatro vezes maior que as composições antigas, com cerca de 30 anos de uso. Algumas chegam a registrar média de 35 problemas técnicos por dia.
“É muito exagero uma empresa que transporta quatro milhões de pessoas por dia usar o acaso como controle de qualidade”, protesta um metroviário ouvido pela reportagem, e que prefere manter o anonimato. Na conversa que tivemos com alguns funcionários do Metrô, há algumas semanas, é nítida a insatisfação com a falta de transparência. “A companhia é uma caixa blindada jogada no fundo do mar. Não nos dizem nada. Em caso de acidentes graves, os primeiros a morrer seremos nós.”
Os metroviários afirmam que, ao esconder informações sobre as constantes falhas que acometem o sistema, a empresa, além de esconder do público a situação real do Metrô, perde uma “grande” oportunidade de preparar melhor seus quadros. “Erros são didáticos”, afirma um funcionário com mais de 20 anos de casa. “Se bem instruído sobre a origem dos problemas, todo mundo aprende. Isso acontecia antes. Agora, não acontece mais.”
Procurada, a Companhia do Metrô não respondeu à solicitação de entrevista.
por Tadeu Breda, da Rede Brasil Atual, e Vinícius Gomes