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9 de fevereiro de 2014

Paulistano não aguenta mais ser maltratado

Bebês, jovens e idosos sofrem diariamente na capital: o serviço público é combustível de protesto 

Horas perdidas dentro de um ônibus ou Metrô lotado para ir e voltar ao trabalho, falta de estrutura na saúde pública, insegurança, escolas ruins  e impostos altos.

Essa combinação enfrentada diariamente  por grande parte dos paulistanos  tem feito com que qualquer problema seja a última gota para um protesto generalizado.

Os constantes ônibus queimados por causa da violência e  o confronto entre seguranças e passageiros na Linha 3-Vermelha do Metrô na última terça-feira  são exemplos de situações que mostram que o cidadão está cansado de ser tratado como lixo.

O DIÁRIO traz histórias de paulistanos que precisam enfrentar todos os problemas que surgem no dia a dia, além de seu próprios aborrecimentos pessoais, para conseguir viver na maior cidade do país. Essas pessoas muitas vezes estão sem paciência para desculpas que  os governos dão e promessas não cumpridas. Aí decidem agir por conta própria.

Em junho de 2013, boa parte dos paulistanos foi às ruas protestar e exigir melhoras em alguns setores, como transporte, saúde e segurança. Em algumas manifestações aconteceram atos de vandalismo. Para o cientista político e professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) Pedro Fassoni Arruda os protesto podem ser entendidos como uma resposta à displicência diária do poder público com os cidadãos.

“Um pedaço da vida das pessoas é perdida na fila do transporte público. E a culpa é dos governos municipal, estadual e federal”, disse o professor.

Para ele, a população se sente  como se estivesse com um nó na garganta por preocupação, que vai da falta de uniformes escolares ou falta de vaga nas creches até a ausência de médico nos postos.

Todos esses transtornos  vivenciados pelas pessoas podem causar distúrbios mentais. Cada pessoa reage de uma forma diferente quando o nível de tolerância se esgota. Alguns  guardam para si e depois acabam desenvolvendo  depressão e outras doenças psíquicas.

De acordo com  dados divulgados, em agosto de 2013  pela OMS (Organização Mundial de Saúde), 30% dos  paulistanos   sofrem de algum transtorno metal.

“O paulistano vive no seu cotidiano uma situação de violação de direitos, muitas vezes por omissão do estado. Toda a forma de sofrimento  mental tem relação com aquilo que o ser humano vive no dia a dia”, afirmou Elisa Zaneratto Rosa,  psicóloga e presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. 

‘Se ele estiver com algum problema vou ter de esperar’
A dona de casa Mônica Rocha Alves, de 29 anos, conseguiu fazer com que o filho, Daniel Alves de Souza, de apenas 1 mês, realizasse o teste do pezinho (cujo nome correto é triagem neonatal e  pode identificar até 30 doenças genéticas, metabólicas  e infecciosas), mas vai ter de esperar até abril para saber se está tudo bem com a criança. “Na UBS só marcaram consulta para o dia 23 de abril. Se ele estiver com algum problema, vou ter de esperar até lá para saber”, contou Mônica. Enquanto não sabe o resultado do exame, a dona de casa passeia com o filho e visita  casas de parentes. Para ir do Jardim Peri, onde mora, na Zona Norte, até a Vila Rosa, na área do Horto Florestal, também na Zona Norte, ela pega três ônibus com o bebê. “Vai cheio e faz muito calor porque nunca tem ar-condicionado, mas pelo menos me deixam sentar quando veem que eu estou com um bebê”, disse Mônica. A próxima preocupação da dona de casa vai ser entrar na fila da creche para o menino, assim como fazem outras milhares de mães na cidade.

‘Não quero que a morte do meu filho fique impune, descobrirei quem foi’
Líder de limpeza em uma empresa, Maria José Marinho, de 45 anos, acorda todos os dias por volta das 4h para entrar às 6h ao trabalho. Apesar de ser bastante cedo, a lotação que ela tem de pegar perto de sua casa, no Jardim Paraná, região de Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte da capital, para ir ao trabalho, na Barra Funda, Zona Oeste, vai sempre lotada. Na sexta-feira, que era seu dia de folga, aproveitou para levar de ônibus a cachorra poodle Nina, que vomitava sangue, ao veterinário. Só para deixar a cachorra e tratá-la no local, vão ser R$ 500 dos R$ 800 que ela ganha mensalmente. Um esforço que vale muito, já que Nina é sua fiel companheira, pois seu filho, Geraldo, então com 20 anos, foi assassinado ainda não se sabe por quem no ano passado. “Eu o achei  no IML. Eu não quero que isso fique na impunidade. Vou pegar o processo do meu filho e ir até o fim para descobrir quem foi”, disse Maria José.

‘No Hospital de Taipas quase  não tem médico’
O montador de móveis e pisos Antônio Gomes de Oliveira, de 50 anos, mora em Parada de Taipas, na Zona Norte da capital, e tem de visitar clientes por toda a cidade de ônibus. Não é raro que ele leve até quatro horas no transporte público para chegar até a região do M’ Boi Mirim, na Zona Sul, ou duas horas e meia para ir até Jundiaí de trem para atender pedidos. Ele tem cinco filhos com idades entre 2 meses e 14 anos e praticamente tudo que ganha vai para sustentar a família. Quando precisa de médico, joga nas mãos de Deus. “No Hospital de Taipas quase não tem médico e os que estão lá vão em passo de tartaruga. É esperar pra morrer em casa”, desabafou o montador.

‘Todo o trajeto de uma hora até o Metrô faço em pé e espremida como sardinha'
A estudante Gabriella Silva Aguilar Servilha, de 21 anos, mora em São Mateus, na Zona Leste da capital, e trabalha na região da Paulista, no Centro. Todos os dias, ela tem de encarar ao menos três horas para ir de casa ao emprego, depois para a faculdade e, enfim, retornar ao lar. “Antes havia várias opções de ônibus até o Metrô Vila Prudente ou o Tamanduateí (estações da Linha 2-Verde), mas cortaram as linhas e agora só tem um ônibus. Todo o trajeto de uma hora até o Metrô faço em pé e esprimida como sardinha. O ônibus mesmo lotado vai parando em todos os pontos”, contou a estudante, que acorda às 6h e chega em casa por volta da 0h. Ao voltar para casa, Gabriella prefere ir da Brigadeiro Luís Antônio, onde fica sua faculdade, até o Terminal Parque Dom Pedro 2 para voltar direto de ônibus para casa. Na última terça ela resolveu ir de Metrô, mas com o problema na Linha 3-Vermelha, foi até a Estação Sé e, como ela estava fechada, teve de voltar para o Parque Dom Pedro 2 de qualquer maneira. Acabou chegando em casa à 1h30.

‘Além de termos de subir uma rampa enorme, o médico não veio’
O aposentado José Pais de Lira, de 90 anos, estava com o médico marcado havia dois meses e na semana passada havia chegado o dia da consulta. Ele mora no Jardim Peri, na Zona Norte da capital, e a consulta era na UBS (Unidade Básica de Saúde) de mesmo nome. Se arrumou para sair à rua: calça social marrom, sapatos, camisa cinza clara e a velha bengala que o ajuda a andar. A filha dele, Neusa Lira, de 65 anos, saiu de Pirituba, onde mora, também na Zona Norte, com o marido e os dois de carro foram até a casa do aposentado  para acompanhá-lo na consulta. Assim que desceram na UBS veio a primeira dificuldade: a unidade fica no segundo andar do imóvel e é preciso subir três rampas para chegar à porta de entrada. “Além de termos de subir uma rampa enorme, o médico não veio. Agora a consulta foi adiada para o dia 12”, disse Neusa. Ao menos na hora de esperar pelo marido de Neusa, que passaria para buscá-los com o carro, já do lado de fora da UBS, José contou com a soliedariedade de uma vendedora de sorvetes que emprestou seu banco para que ele aguardasse sentado.

DIÁRIO DE S. PAULO
filipe.sansone@diariosp.com.br
POR: Filipe Sansone

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