Uma lona preta, pregada sobre dois pedaços de madeira e alguns bambus. A "casinha" lembra os barracos dos movimentos sem-teto, mas foi erguida por seguranças de uma linha CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
Eles estão lá para vigiar os trilhos e impedir que alguém, por maluquice ou não, entre na frente de algum trem. Cuidam, também, para que ninguém furte fios e equipamentos elétricos da companhia.
Mas são quase sem-teto mesmo os seguranças: guardam os trilhos da CPTM sem guarita ou abrigo para sol, frio ou chuva. Então eles mesmos ergueram sua proteção.
Na linha 12-safira, que liga a zona leste da capital ao centro, já são oito as barraquinhas levantadas pelos vigias.
"Se não for assim, como a gente vai se proteger do sol, da chuva e do frio todo dia?", questionou à Folha um dos vigias, que pediu para não ser identificado, por medo de perder e emprego e o abrigo.
Outros seguranças são mais discretos e só colocam madeiras ao lado das pernas para evitar o vento frio que bate de manhã e à noite.
Há criações inusitadas: bancos esculpidos em dormentes antigos e até tendas de praia. Ao lado de uma delas, entre as estações Itaquaquecetuba e Aracaré, dois vigias abriram um guarda-sol e cadeiras dobradiças.
'NO KM'
Na noite de sexta (29), um segurança disse à Folha que havia ficado dez horas "no km", como chamam o trabalho nos trilhos.
"Estou só o pó", desabafou. A companhia, porém, informou que há um rodízio de, no máximo, três horas nos trilhos "para atendimento de necessidades fisiológicas."
Todos os seguranças são terceirizados e têm uma jornada de 12 horas de trabalho para cada 36 de folga.
O posto mais desejado entre os homens que vigiam os trilhos fica entre as estações São Miguel Paulista e Comendador Ermelino. Lá, ao lado de uma passarela, está a única guarita nos 38,8 km de trilhos da linha 12-safira.
Os funcionários se adaptaram tanto aos seus barracos que não saem de lá nem para comer. Entre as estações Tatuapé e Brás, um deles almoçava um marmitex na quinta (28), ao meio-dia.
No horário, os trens passavam lotados na frente do vigia, situação fora do comum naquela hora. As composições circulavam mais lentamente por causa de uma falha de energia causada por furto de fios elétricos.
"Além de ganhar um salário que não chega a R$ 1.300, eles passam frio e não têm nem uma guarita", disse Eluiz Alves de Matos, presidente de um sindicato de funcionários da CPTM.
A companhia diz que apura alguma infração no serviço oferecido pela empresa responsável pelos seguranças e que "aplicará sanções cabíveis, caso sejam comprovadas as irregularidades".
A empresa informou, ainda, que está em fase de testes a instalação de uma tenda e cadeiras. Se aprovadas, elas serão usadas nos postos pelos vigias dos trilhos.
FELIPE SOUZA
DE SÃO PAULO
Folha de São Paulo