Assim que saiu da igreja, em um domingo de setembro passado, Angélica Cristina Lopes, 27, viu a favela do Piolho, no Campo Belo (zona sul), onde mora desde criança, sendo tomada pelo fogo.
Ela pegou os documentos e roupas dos dois filhos e aguardou os trabalhos dos bombeiros na avenida Jornalista Roberto Marinho. Sua casa, construída com blocos de concreto, escapou. Mas aproximadamente 600 famílias ficaram desabrigadas.
“Fiquei sem dormir por uma semana, com medo de ocorrer de novo. Minha casa virou uma espécie de albergue. Todo mundo vinha aqui usar banheiro e tomar banho”, afirma Angélica.
Passados oito meses do incêndio, vizinhos dela voltaram a erguer suas moradias no mesmo terreno. E contaram com uma ajuda estrutural: os tapumes de sinalização da obra do monotrilho da linha 17-ouro, bandeira de Geraldo Alckmin (PSDB).
A construção do Metrô de São Paulo, que fará a ligação do aeroporto de Congonhas à estação Morumbi da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), ocorre em frente à favela.
Os tapumes nas cores branca e laranja que a cercavam foram transformados em paredes para os novos barracos.
COMÉRCIO INFORMAL
Moradores dizem que, na primeira noite depois do incêndio, não houve resistência de policiais nem de seguranças da obra para a retirada das placas do monotrilho.
Depois, a PM passou a prender quem tentava retirar os tapumes —que viraram alvo de um comércio informal.
Islaine Gonçalves, 20, mãe de duas crianças, não conseguiu pegar as placas “antes da proibição”. Para construir sua casa, acabou comprando 20 tapumes de outras pessoas, por R$ 10 cada um.
“Perdemos tudo no incêndio e não conseguimos auxílio-aluguel [pago pelo município às vítimas]. Ainda estamos sem geladeira e sem cama, temos só colchão. Tenho medo de pegar fogo, mas não temos como sair daqui.”
Após os saques do material, a obra do monotrilho passou a adotar placas com recortes no formato de setas —criando “buracos” nos tapumes para inviabilizar seu uso na construção de barracos.
AUXÍLIO-MORADIA
O ressurgimento da favela foi liderado por moradores que não receberam um auxílio-moradia dado pela prefeitura às vítimas do incêndio.
O benefício de R$ 400 por mês está sendo pago, segundo a Secretaria de Habitação da gestão Fernando Haddad (PT), a 279 famílias que conseguiram comprovar que moravam na favela incendiada.
A ideia é que elas bancassem aluguel em outro lugar, enquanto a prefeitura fizesse moradia popular no terreno.
A gestão Haddad diz que 774 famílias foram cadastradas, mas que 495 acabaram excluídas por vários motivos. O principal é não terem apresentado comprovante de moradia no local antes do incêndio. Além disso, algumas já estavam cadastradas em programas habitacionais ou decidiram continuar na área.
Muitos dos que ficaram de fora aderiram aos tapumes. E mesmo quem foi beneficiado ainda ameaça voltar aos barracos devido aos atrasos no pagamento pelo município.
“Teve gente que nem era daqui e veio se cadastrar [no auxílio-aluguel]. Estou tirando R$ 500 do próprio bolso para pagar aluguel em outra favela, onde os barracos são de alvenaria”, disse a manicure Cíntia Lorrana, 22, que morava em um barraco destruído e só recebeu R$ 1.200 para os três primeiros meses.
“Não quero perder tudo de novo. Mas se continuar atrasando esse pagamento [do benefício], vou ter que voltar.”
A gestão Haddad diz que a regularização das parcelas atrasadas foi iniciada na quarta (6) e deve ser concluída ainda nesta semana.
Já a construção de moradias populares no terreno, prometida para ter início em dezembro, deve demorar. A prefeitura diz que a área da favela é particular e que ainda irá iniciar um processo de desapropriação do local.
Fonte: UOL.com.br