Acostumados com o passar do trem a apenas alguns metros da porta de casa, os moradores da Vila dos Engenheiros – conjunto de casas e casarões centenários construídos no passado para abrigar os trabalhadores da extinta Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) – comemoram a possibilidade de os galpões vizinhos, que há pelo menos uma década deixaram de ser úteis, serem transformados em um polo de cultura de Mogi das Cruzes.
Um dos mais antigos entre os moradores das sete casas da vila, o engenheiro Mario Gallego já conta 37 anos de serviços ferroviários. “Comecei na Rede Ferroviária, passei para a CBTU [Companhia Brasileira de Trans Urbanos] e me aposentei na CPTM [Companhia Paulista de Trens Metropolitanos], para quem ainda continuo prestando serviços”, conta.
Gallego participou, em 1976, da equipe que trabalho na expansão do trem de subúrbio entre Mogi das Cruzes e a Estação Estudantes, que tinha como objetivo principal facilitar o acesso dos estudantes às universidades mogianas.
O filho dele, Mario Gallego Neto, de 34 anos, chegou à vila quando tinha apenas 6 anos de idade. “Eu joguei bola aqui. Via o pessoal da ferrovia trabalhando nos galpões”, lembra. A família mudou-se de casas também da Rede Ferroviária, no Tatuapé, para Mogi das Cruzes há 29 anos.
“Eu já nasci ouvindo o barulho do trem. A gente acostuma”, diz. O barulho, para quem está fora de casa, é o suficiente para interromper qualquer conversa. “Como as paredes dessas casas antigas são muito grossas, dentro de casa se ouve bem menos”, revela ele, que aos 17 anos saiu de casa para estudar e não voltou mais.
Neto conta que as casas foram construídas pelos ingleses da São Paulo Railway e remontam à época de construção da Estação da Luz, no final do século retrasado. As construções serviam moradia a engenheiros e encarregados da companhia. Esses trabalhadores não tinham horários e podiam ser chamados durante a madrugada para alguma manutenção.
Fernando dos Santos, de 53 anos, trabalhou nos galpões que no futuro darão espaço ao polo de cultura da Cidade. Ele passou da extinta CBTU para a atual CPTM. “Já morei em tantos lugares que mais pareço um cigano. Sempre em beira de linha: na Penha, no Itaim, em Jundiapeba – que era um inferno por causa do pontilhão, e estou em Mogi há 10 anos”, conta. A família – esposa e três filhas – sempre o acompanhou. “Eles nunca reclamaram do barulho”, completa.
Olhando para o interior de um dos galpões (agora com grade e trancado com cadeado), ele lembra: “Aqui a gente emplacava dormentes, soldava os trilhos, tinha almoxarifado e até um posto médico, com dentista de manhã e médico à tarde”.
Desde o portão até a parede dos fundos, a casa do motorista aposentado Paulo Egídio Estevam, de 60 anos, tem pelo menos 60 metros de comprimento. “É um casarão antigo, grande, vai até a avenida [Francisco Rodrigues Filho]. O som do trem passando agora dá é sono. Isso aqui é o maior sossego do mundo”, diz, segundo após a passagem de uma composição que seguia com destino a São Paulo. (Danilo Sans)
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