6 de agosto de 2013

MP tem 45 inquéritos sobre contratos do Metrô e investiga 90 aditivos



Inquérito lista aumento 'absurdo' em valores e possível prejuízo a erário. Investigações foram reabertas; 45 inquéritos apuram conduta de empresas.

O Ministério Público de São Paulo investiga em 45 inquéritos possíveis irregularidades em licitações do Metrô e CPTM. Em um deles, a Promotoria apura cerca de 90 aditivos feitos em 11 contratos com o Metrô – em pelo menos nove, há a indicação de aumento do valor contratado, classificado pelo MP de “absurdo”; troca de empresas depois de homologada a licitação; alteração do objeto do contrato e prorrogação excessiva dos prazos estabelecidos.

Essa investigação corre desde 2008, mas ganhou visibilidade neste mês, depois da notícia de que a Siemens delatou neste ano ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a existência de um suposto cartel, um conluio entre empresas, para ganhar licitações aumentando os valores cobrados para instalar trens e metrô no Estado, com aval do governo.

Após a delação, 15 investigações que estavam arquivadas por falta de provas estão sendo reabertas. Pelo menos cinco inquéritos estão relacionados com o acordo de leniência que, segundo reportagens do jornal “Folha de S.Paulo”, foi assinado pela empresa Siemens no Cade.

As irregularidades que teriam sido delatadas por executivos da empresa alemã Siemens ao Cade são semelhantes às investigadas pelo MP no inquérito principal de 2008. A empresa entregou documentos em que afirma que o governo de São Paulo sabia e deu aval à formação de um cartel que envolveria 18 empresas – participantes subsidiárias da francesa Alstom, da canadense Bombardier, da espanhola CAF e da japonesa Mitsui. O suposto cartel teria funcionado de 1998 a 2008, nos governos Covas, Alckmin e Serra, do PSDB.

Nesta segunda (5), 10 promotores reuniram-se para conversas com advogados de empresas investigadas Alstom e Siemens. Na semana passada, já houve reunião com membros da Procuradoria do estado, da Corregedoria Geral da Administração, presidentes do Metrô e da CPTM e 8 promotores.

Aditivos 

O Ministério Público de São Paulo já investiga a Alstom desde reportagem do jornal "The Wall Street Journal", que apontou naquele ano que autoridades suíças e francesas estavam investigando a multinacional por pagamento de propina que alcançava US$ 200 milhões para ganhar contratos na América Latina e Ásia.
No inquérito, o MP pediu mais informações sobre aqueles que possuem indícios de vícios. São 90 aditivos em 11 contratos que vão desde 1992 até 2011, ainda sob investigação. O aditivo é um acréscimo ou alteração legal em um contrato, desde que obedeça a legislação.

Um dos casos é o de um aumento de R$ 42,8 milhões em um dos contratos de implantação da Linha 4 - Amarela do Metrô, para a “construção parcial” de uma estação. “Evidentemente, este contrato deve ser analisado separadamente, para verificar o aditamento (...) bem como a retirada e inclusão de empresas do consórcio”, diz a Promotoria.

O MP aponta ainda subcontratação e alteração de empresas mesmo depois de fechada a licitação. De acordo com informações prestadas pela Siemens, em diários de seus executivos sobre os supostos acertos, feito o acordo entre as empresas que seriam vencedoras, as demais seriam depois subcontratadas.

Outro vencedor

Na extensão Oeste da Linha 2 - Verde, do Metrô, segundo o MP, a Cegelec Engenharia S/A cede seus direitos e obrigações de contrato para a Alstom Transporte Ltda., alegando que ocorreu uma cisão parcial da primeira, incorporada pela segunda. “Tal empresa, como visto, não foi a vencedora da licitação”, diz o MP. A Cegelec é citada em investigação internacional envolvendo contratos da Alstom.

No mesmo contrato da Linha Verde, a Promotoria aponta aumentos de valores que têm início em 1997 e vão até 2011, além de prorrogação do prazo do contrato, “apesar do disposto na Lei 8.666/1993 [de Licitações], que permite prorrogações até o máximo de 60 meses”.

Também houve subcontratação da Alstom no contrato de fornecimento de 22 trens, sendo 16 para Linha Leste/Oeste - Vermelha e seis para extensão Itaquera-Guaianases. O valor inicial do contrato foi majorado em R$ 70 milhões, e a quantidade de trens aumentou para 27. A justificativa foi de fornecer trens para o trecho de outra linha, a Verde, entre Sacomã e Vila Prudente.

Há ainda inquéritos dos quais são objeto de investigação o sistema ferroviário da CPTM entre Capão Redondo e Largo Treze, no valor de R$ 404.199.819,26; a manutenção corretiva de trens sem licitação, no valor de $ 696.648; e o fornecimento de materiais de 21 trens unidade elétricos da série 1700, que trafegam nas linhas A e D da CPTM, contrato que passou de R$ 19.493.505,11 para R$ 23.629.201,11.

“Essas investigações já existem. Muitas delas já existem desde 2009, e umas estão em fase de perícias, outras em fase de oitiva de pessoas. Tem inquérito que não tem superfaturamento, foi arquivado e agora foi desarquivado. Como foram ventilados os nomes de várias empresas, nós pegamos todos os casos que essas empresas estão envolvidas, num total de 19 empresas”, diz o promotor Sílvio Marques.

Entre as empresas contratadas estava o Consórcio Sistrem – o mesmo que realizou a primeira fase da Linha 5 - Lilás do Metrô e CPTM, contrato agora suspeito após a delação ao Cade.

“A própria análise documental dos fatos é complexa, são contratos, são aditivos, são várias pessoas envolvidas, são várias condutas, são documentos nacionais e estrangeiros. O nosso trabalho aqui é um trabalho isento para apurar aquilo que ocorreu e para que as consequências jurídicas sejam pertinentes àquelas condutas”, afirma o promotor Valter Foleto Santin.

Segundo o promotor, o foco da investigação da Promotoria é a apuração de eventual improbidade administrativa e reparação do prejuízo sofrido pelo erário. "E também, principalmente, verificação de enriquecimento ilícito de servidor, que se tenha apropriado de valor em face dessa situação", disse.
Ao conselho, a Siemens afirmou a existência de cartel em cinco contratos: para trens e equipamentos para o Trecho 1 da Linha 5-Lilás e da expansão da Linha 2-Verde do Metrô, para manutenção de trens das séries S2000, S2100 e S3000 e modernização da Linha 12-Safira da CPTM em São Paulo e para manutenção do Metrô do Distrito Federal.

Dois inquéritos também foram instaurados pela Polícia Federal. Caso condenadas, as empresas terão de ressarcir os cofres públicos do prejuízo e receber multa.


Caso a caso

Segundo o especialista em direito público Carlos Ari Sundfeld, a existência de muitos aditivos em contratos não é, por si só, indício de irregularidade. Por esse motivo, os aditivos devem ser analisados caso a caso. “É normal, porque esses contratos são muito complexos e na fase de execução acontecem muitas coisas. Claro que toda modificação no contrato tem restrições. Pode se estar fazendo uma modificação indevida”, afirma.
Conforme Sundfeld, em tese, o acréscimo de prazos aos contratos e introdução de novos itens são permitidos, desde que de acordo com a Lei de Licitações: não podem ultrapassar 25% do valor total e precisam ter relação com o objeto inicial.

Já a subcontratação também é possível, nos limites admitidos pela administração. “O que a lei procura vedar é a cessão por uma empresa que entrou na licitação só para fazer ‘corretagem’ de contrato”, completa.
Segundo  decisão da Justiça de São Paulo, que autorizou busca e apreensão  em empresas suspeitas de cartel, há fraudes em pelo menos seis projetos "de extrema relevância": linhas 2 e 5 do Metrô de SP, manutenção e aquisição de 320 carros para a CPTM, programa Boa Viagem da CPTM e manutenção do Metrô.

A assessoria de imprensa do governo informou que suas empresas, Metrô e CPTM, prestaram os esclarecimentos que se fizeram necessários. "O governo do estado é o maior interessado em esclarecer estas denúncias e considera positivo que o Ministério Público auxilie nas investigações, colaborando para a mais rápida elucidação dos fatos", diz em nota.

"Nos casos citados, o governo do estado se coloca totalmente à disposição para esclarecer eventuais novas dúvidas do órgão e para auxiliar no que estiver ao seu alcance. Em relação ao Cade, o governo do estado já solicitou informações da investigação, inclusive, por via judicial. A CGA abriu procedimento interno e, se ficar comprovado o cartel, exigirá ressarcimento aos cofres públicos. Também punirá com rigor o eventual envolvimento de servidores públicos em qualquer irregularidade", complementa.

A Siemens afirma cooperar "  integralmente com as autoridades  , manifestando-se oportunamente quando requerido e se permitido pelos órgãos competentes" e salienta que "não pode se manifestar em detalhes quanto ao teor de cada uma das matérias que têm sido publicadas".

A Alstom esclareceu que recebeu um pedido do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para apresentar documentos relacionados a um procedimento administrativo referente à lei concorrencial. "A empresa está colaborando com as autoridades", diz.

O Ministério Público informou que não pode se manifestar sobre as investigações em razão do sigilo. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), disse considerar "lamentável" que o estado precise acionar a Justiça para ter acesso a documentos da investigação promovida pelo Cade e que, "se caracterizar o cartel, o estado é vítima".

Fonte G1
06/08/2013 11h15 - Atualizado em 06/08/2013 12h18