12 de março de 2012

Trilho velho limita segurança de trem novo

Sindicato diz que linha férrea antiga impede uso do dispositivo que, a um sinal de perigo, aplica freio nos trens

Nos últimos anos, o governo de São Paulo investiu mais de R$ 5 bilhões na aquisição de trens para a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e na modernização do sistema. Os trens das séries 7000, 7500 e 8000 são equipados com um sensor de descarrilamento, que avisa o condutor quando algum vagão sai do trilho. Porém, segundo o Sindicato dos Ferroviários e os depoimentos dos condutores ouvidos, esse sistema está desativado. Isso porque o sistema é sensível e a linha férrea é antiga. Qualquer ondulação ou buraco na via fazia o trem parar.
Somente neste ano houve três ocorrências de descarrilaramento, todas próximas à Estação Ceasa. Por sorte, os trens estavam sem passageiros e os maquinistas não se feriram.
O condutor responsabilizado pelo descarrilamento na Estação Ceasa, no dia seguinte ao acidente na Vila Clarice, na Zona Norte, que deixou 51 feridos em fevereiro, foi demitido por justa causa. Em maio, ele completaria 26 anos de empresa.
“O trem tinha oito vagões. Quando o descarrilamento ocorre nos últimos vagões – como foi o caso –, o maquinista não percebe. Se tivesse passageiros naquele trem, com certeza teria havido  mortes”, disse o condutor, que pediu para não ter o nome divulgado. Para a CPTM, ele desrespeitou as normas da empresa. “Eles também alegaram que eu dei prejuízo. Os vagões ficaram muito danificados. Onde já se viu desativar um sistema de segurança?”, questiona.
O Ministério Público investiga os acidentes. mas o prazo de 20 dias dado para que a CPTM enviasse as informações venceu e o promotor informou que não recebeu nada.
Resposta: A CPTM disse que os trens são equipados com sensores que informam quando está ocorrendo ou ocorreu um descarrilamento, mas a ferramenta não evita a ocorrência – a empresa não respondeu por que o sensor está desativado. A CPTM questiona a versão dos empregados e afirma que “opera com sistemas seguros, utilizados em ferrovias no mundo inteiro ”. A companhia não comentou sobre um possível problema na Estação Ceasa.
Controlador demitido afirma que há falhas no sistemaNo dia 15 de fevereiro, um grave acidente assustou passageiros na Estação Vila Clarice, região do Jaraguá, Zona Norte. Uma batida entre uma locomotiva de manutenção e um trem de passageiros deixou 51 feridos. O controlador responsável por autorizar a entrada da locomotiva na via, Raimundo José Pereira Neto, 52 anos de idade e 30 de CPTM, foi demitido por justa causa.
A empresa afirma que ele descumpriu procedimentos operacionais. Mas o empregado  afirma que houve uma falha no sistema que orienta os controladores. A tela do controle apontou que um trem de passageiros pedia para entrar na via, quando na verdade era uma locomotiva de manutenção. O DIÁRIO teve acesso aos arquivos do sistema da CPTM.
O trem de passageiros tem um sistema que freia automaticamente quando se aproxima de outro trem. A locomotiva também tem esse sistema, mas ele está desativado, segundo o funcionário. Caso contrário, não teria ocorrido a batida.
Em nota, a CPTM disse que “a comissão de sindicância convidou todos os envolvidos no acidente para prestar esclarecimentos e o controlador, acompanhado por dois sindicalistas, apresentou suas explicações sobre a ocorrência, que está anexada ao processo de sindicância. Já a maquinista se absteve de prestar depoimento”, disse. Ela também foi demitida por justa causa.
A empresa afirma que a gravação do diálogo entre o controlador e a maquinista confirmou que ele sabia que se tratava de uma locomotiva e estava colocando a máquina no mesmo circuito de um trem metropolitano.
Na sindicância o superior do controlador disse que, na situação apresentada, teria agido da mesma forma que Raimundo.

Opinião

Éverson Craveiro, 
Presidente do Sinferp (Sindicato dos Ferroviários da Zona Sorocabana)
Ferroviário: o culpado da vezDescobrir o culpado é motivo básico dos clássicos da literatura e do cinema do gênero policial. Não é diferente na vida real, regrada pelos ordenamentos religiosos e jurídicos. O problema é que esse tipo de valor, movido pelo binômio culpa e castigo, avançou além dos limites aceitáveis e entrou no imaginário de toda uma sociedade.
Os acidentes com trens da CPTM e seu tratamento diante da opinião pública têm sido um exemplo típico desse gênero. Em todos os acidentes, empresa, governo e mídia mostram-se interessados na identificação dos culpados que, quando atirados aos leões pela empresa e governo, revelam o final da história.
Se algum ferroviário morre na via, atropelado por um trem, a culpa é do morto. Afinal, o que fazia na via? Trabalhava na via, oras. Se o ferroviário atropelado na via não morre, a culpa é do maquinista. Por que do maquinista, se possivelmente não sabia que tinha um colega trabalhando na via? Se um trem descarrila por uma distância que provoca grandes danos materiais, a culpa é do maquinista. Por que do maquinista? Por que não de quem mandou desativar todos os sensores de descarrilamento de uma série inteira de trens?
Se um acidente ocorre porque o controlador do CCO identifica em seu monitor um trem que não corresponde ao que de fato está na via, ele é demitido. A ninguém ocorre que o “sistema” realmente forneceu a ele uma falsa identificação daquele trem.
Ninguém está percebendo que os acidentes que se tornam notícia são apenas a ponta de um gigantesco iceberg. Enquanto ninguém se pergunta sobre as razões sistêmicas deles todos, resta esperar pelo próximo acidente e pelo “culpado da vez”.


Fonte: G1