19 de março de 2012

Saga de uma manhã nos trens paulistanos


O jornalista Júnior Barreto acordou cedo na última quarta-feira, 14. Estava na casa de sua namorada, no Parque Santo Antonio, distrito de Santo Amaro, e sabia que o trajeto até seu trabalho, no centro da capital paulista, tomaria cerca de uma hora, uma carona, um trem e dois metrôs. O tempo mostrou que sua previsão foi por demais otimista.


Ainda em casa ouviu na televisão a sugestão de que não era uma boa ideia utilizar o trem da linha 9-esmeralda da CPTM, que acompanha a Marginal Pinheiros. O motivo, descobriria mais tarde, era uma sucessão de panes nos trens da CPTM e do metrô, que atrasou a viagem de cerca de 200 mil pessoas naquela manhã de março. Na linha 9-Esmeralda, uma falha no sistema de energia fez os trens circularem por apenas uma via entre as estações Granja Julieta e Santo Amaro, diminuindo a velocidade e superlotando as estações. O efeito dominó levou o metrô a diminuir também a velocidade na linha 5-Lilás, prejudicando toda a Zona Sul.


Júnior ouviu o repórter. Mas qual alternativa? De ônibus, é impraticável: a fila de veículos no corredor da Estrada de Itapecerica é cotidianamente enorme, como também o é a quantidade de pessoas se acotovelando nos pontos. “Tenho uma colega que, para chegar às 8h no trabalho, perto da Ponte Estaiada, no Morumbi, precisa sair de casa às 6h30 – e mesmo assim consegue chegar atrasada. E é um trajeto que é possível fazer numa corrida, são três pontos até a marginal e mais dois até a ponte”, explica Júnior. “A marginal nesses horários é um estacionamento. Você nem consegue ver o asfalto, só consegue ver carros parados”, brinca.


Sabendo disso tudo, decidiu encarar o transporte sobre trilhos. Às 7h50, pegou uma carona com a namorada até a estação do metrô Vila das Belezas, que com trânsito livre fica a cerca de pouco mais de 5 minutos de carro. Mas trânsito livre é artigo quase inexistente no horário de pico da região. “As rotas principais, a Estrada de Itapecerica e a avenida Carlos Caldeira, estão sempre travadas. Quando você tenta uma alternativa, vê que todo mundo teve a mesma ideia. É desesperador, dá a impressão de que não vai conseguir sair dali”, diz. “Mais de uma vez já desci do carro e fui andando até a estação para tentar não perder a hora”, conta.


Cerca de 30 minutos depois, chega à estação do metrô. “E aí que a história começa”, ironiza o jornalista. O metrô está, é claro, lotado. Mas é na baldeação para os trens da CPTM, na estação Santo Amaro, que a situação se torna mais problemática. Três lances de escada separam a entrada da estação das catracas – e já antes da primeira delas, está a multidão. Todos caminhando lentamente, pé ante pé, com cuidado para não acertar o vizinho da frente. “É como uma procissão, só falta o pessoal acender as velas”, brinca.


Da porta da estação até entrar no trem, gastou mais de vinte minutos. E entrou num trem absolutamente lotado. “Tem gente que prefere sair mais cedo de casa e pegar o trem no sentido inverso, rumo a Jurubatuba, para já vir sentado de lá”, diz, exemplificando o conceito conhecido entre os especialistas em mobilidade como “viagem negativa”. “E eu ainda tive sorte de conseguir entrar nesse trem. Com os problemas que aconteceram, o outro deve ter demorado muito mais”, afirma.


A composição viajou lentamente, parando por longos períodos em cada estação. Lá dentro, os passageiros seguiam espremidos, suados, cansados antes mesmo de chegar ao trabalho.


Às 9h40, chegou à estação Pinheiros, onde fez a baldeação para a linha 4-amarela. Essa foi mais rápida – afinal, apenas duas estações estão prontas até a República, onde desembarcou – mas também lotada. Chegou ao trabalho às 10h, duas horas e dez minutos depois de sair de casa.


Num dia sem problemas, gasta cerca de uma hora no trajeto – o que não é pouco. Mas, os dias livres de transtornos extraordinários não são muito comuns. Segundo matéria do Diário de S. Paulo, a CPTM registrou 18 panes em 2012, enquanto o metrô alcançou a brilhante marca de 38 falhas em dois meses e meio. Além disso, com a capacidade já há muito ultrapassada – a inauguração da linha 4 levou a um aumento de 49% no número de usuários da linha Esmeralda desde fevereiro de 2011 –, as filas e a superlotação são parte do roteiro diário.


“Esses problemas na verdade são cotidianos. Todo dia você vê gente já nas escadas, não tem como descer para a plataforma porque não tem espaço. A novidade de quarta foi ter mídia em cima”, avalia o jornalista. “Mas essa é a melhor possibilidade para ir até o centro. Mesmo se decidisse ir de carro, ficaria parado na Marginal, mais cansado, gastando muito mais e sem alternativa”, completa.


Para completar, na manhã desta quinta, dentro do vagão tão cheio que era difícil encontrar espaço para mexer os braços, Júnior ouve numa rádio uma declaração do governado Geraldo Alckmin, do PSDB, partido que desde 1994 controla o governo estadual, prometer uma apuração rigorosa dos problemas de quarta e afirmar que São Paulo tem um dos melhores sistemas de transporte ferroviário do mundo. “Ele disse que nós paulistanos temos que nos apropriar do trem”, diz o jornalista. Ele lembra que até o locutor brincou: “você aí ouvindo no vagão lotado, saiba que o trem é seu”.


Fonte: Rede Brasil Atual