31 de outubro de 2011

Governo vai assumir mais risco para ter trem-bala


Mais um atraso no cronograma e uma parcela maior de risco na conta do governo. Esse é o retrato atual do projeto do trem de alta velocidade que ligará São Paulo ao Rio de Janeiro. Na melhor das hipóteses, o trem começará a circular em 2017 e a um custo maior para os cofres públicos.
A rodada de conversa com os candidatos a operar o negócio e oferecer a tecnologia do trem levou o governo a estudar assumir uma demanda mínima de passageiros. Se o número de usuários ficar abaixo do estimado, o governo compensará a operadora.
Além disso, os candidatos querem um seguro contra eventuais atrasos na obra, adiantou ao Estado o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo. O leilão deverá ser realizado em julho.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Para quando ficou o lançamento do edital do trem-bala, que estava previsto para outubro? Fizemos reuniões exaustivas e profundas com todos os interessados nessa primeira etapa, que escolherá o operador e a tecnologia. Provavelmente em duas semanas haverá um desenho do edital para a consulta pública. Hoje sabemos bem as limitações de cada grupo, quais são os pontos que incluem ou excluem A ou B. Fechamos as conversas com o pessoal da Alemanha, França, Espanha, Japão e os coreanos.
Os chineses apareceram?
Não sei se eles têm condições de entrar nessa primeira etapa, com transferência de tecnologia. O foco deles é mais na obra da construção das linhas.
Quais são os pontos que a ANTT vai levar ao Planalto?
Existe uma preocupação com o atraso nas obras. Estamos estudando quais são as alternativas.
O governo daria uma garantia?
É isso que estamos discutindo. Tecnicamente, se houver um atraso, eles têm que ter uma compensação. Tem que ter um tipo de seguro.
Quem bancará o projeto executivo?
O investimento é da estatal Etav. Ela é quem vai capitalizar os recursos porque a gente entende que o governo tem de ter o controle. O papel do operador nessa fase é especificar a infraestrutura necessária. O operador vai botar o trem e cotar uma estruturação financeira. Isso tem um custo e, se demorar a construção da infraestrutura, vai haver uma perda.
O seguro vai ter alguma relação com o início efetivo da operação? Se as obras atrasarem um ano o governo compensaria esse um ano sem faturamento?
Podemos compensar com um ano a mais de concessão ou pagar uma multa para a operadora. É isso que estamos estudando, quais são os instrumentos que podemos utilizar para minimizar essas questões.
Quanto custará o projeto executivo?
Por volta de R$ 600 milhões. É caro. É um investimento alto.
Como está o cronograma?
A ideia é colocar o edital em audiência pública ainda em novembro. Vamos fazer audiências em todos os municípios por onde passará o trem. Demos publicar a versão final do edital em janeiro.
O leilão ficaria para quando?
O prazo mínimo entre a publicação do edital e a apresentação de propostas é de seis meses. Se soltarmos o edital em janeiro, a entrega de propostas acontece em julho. Poderão disputar até mais de um operador com a mesma tecnologia. O que o operador precisar ter é a disposição do detentor da tecnologia de transferir isso.
O que leva o governo acreditar que o leilão não será um fracasso?
O primeiro leilão se inviabilizou porque o pessoal queria uma situação confortável. Hoje, temos um processo em que o governo está assumindo o risco. Vou contratar o operador, vou fazer o projeto executivo. Se a obra for mais cara do que estávamos estimando, o risco é do governo. Se ela for mais barata, o ganho é do governo.
Como é que o governo estipula o preço do arrendamento?
Os competidores é quem vão dizer qual é o arrendamento que estão dispostos a pagar.
Não vai ter preço mínimo?
Não. O concorrente vai me dizer que vai pagar X por passageiro. Ele pode achar que vai transportar 5 milhões de passageiros. Acho vai ser 10 milhões. Se for cinco, ele vai me pagar o equivalente àquele valor vezes cinco. Se for dez, ele vai pagar vezes dez.
Não há um risco de demanda?
Uma das questões que os investidores estão pedindo é que o governo garanta um piso de demanda, o que vamos avaliar. No vejo possibilidade de ter frustração de demanda. Acho que é exatamente o contrário. No dia em que tivermos o trem de alta velocidade circulando, esse negócio vai explodir.
O investidor tem algum compromisso com tarifa?
Ele tem a tarifa-teto, de R$ 49 por quilômetro. O que vou receber vai depender da demanda. E vamos contratar a infraestrutura. Essas coisas podem estar casadas ou descasadas. O risco do descasamento é público.
O edital terá de ser explícito sobre a demanda mínima de passageiros a ser bancada pelo governo?
É isso que eles querem. Do ponto de vista técnico, acho que esse risco é tão pequeno que não vale a pena não assumir e deixar o investidor precificar, mas essa é uma decisão do governo.
Qual é a projeção de demanda da ANTT para o primeiro ano?
Dez milhões de passageiros.
Não há como fazer o trem-bala apenas com recurso privado, se é um negócio tão bacana, atrativo e rentável?
Ele é tudo o que você falou, menos rentável. O melhor negócio da SNCF, da França, é o trem-bala. Mas ela é uma operadora. A linha é bancada pelo poder público. Entrar com o trem e transportar é rentável. Se tivéssemos dinheiro abundante, talvez a forma mais prática era fazermos o trem, como é feito no resto do mundo. Mas não é nosso caso.
O governo terá prejuízo?
Vou pagar uma prestação anual para quem vai construir a infraestrutura e vou partir de uma receita inicial baixa. Vou ter no começo um déficit na conta, mas um superávit no final. Essa é a nossa expectativa.
Por quantos anos o governo ficará no vermelho?
Eu não sei de cabeça. Mas a mudança de modelo criou a oportunidade de usar a valorização imobiliária para ajudar a subsidiar o negócio. Como vamos fazer o projeto de infraestrutura, teremos tempo de negociar com as prefeituras onde vai ter estação, definir um plano para geração de valor do entorno.
Mas essas terras terão de ser desapropriadas, não?
Algumas sim, outras não. Vai ter uma parte que é pública. As três principais estações são em ativos públicos.
Fechando o operador em julho, quanto tempo será necessário para fazer a segunda licitação?
Um ano. Temos de saber qual é a proposta técnica para fazermos o projeto. Algumas coisas já estamos antecipando, como a parte de licenciamento.
A licitação da obra acontece em julho de 2013?
Isso. Mas podemos ganhar prazo na construção. Como vamos exigir que a obra seja contratada em lotes, ela poderá ser atacada simultaneamente em todas as frentes. O prazo de cinco ou seis anos seria o tempo consumido para a construção em outro modelo. Em lotes, acho quatro anos um prazo viável, o que permite o início da operação em 2017.
Há algum cálculo de quanto o governo vai colocar no projeto?
Vou usar o cálculo dos inimigos, que é sempre exagerado. Um consultor do Senado falou que o custo do financiamento seria em torno de R$ 5 bilhões. Se o governo pegasse esse dinheiro e aplicasse no mercado, como se isso fosse uma possibilidade, o governo ganharia R$ 5 bilhões a mais. Tem também o capital da Etav, que é de R$ 3 bilhões. E tem a variável da flutuação de demanda, que a gente iria bancar até o impacto de R$ 5 bilhões nos dez primeiros anos. Considerando essas coisas, o custo da parte pública é R$ 13 bilhões. Num projeto de R$ 36 bilhões, isso equivale a menos de um terço do preço. No mundo inteiro, essa participação é de 70%.
Quanto seria o custo razoável?
Rigorosamente, de dinheiro vivo, estou colocando R$ 3 bilhões. Um financiamento a juros de TJLP mais 1% é realmente um subsídio. Eu não estou deixando de fazer metrô para fazer trem de alta velocidade.
E dá para não fazer? Podia fazer um trem de média velocidade?
Eu vou construir hoje, no século 21, uma via com restrição à velocidade do trem, em que só podem circular trens do século passado, com velocidade até 200 quilômetros por hora? Qual é a diferença de fazer uma linha em que o trem circule a 350 quilômetros por hora ou a 200 quilômetros por hora? Eu diria que é uma economia porca. Se eu colocar um trem que ligue o Rio a São Paulo em seis horas, ninguém vai pegar, a não ser para namorar no fim de semana. Isso não minimiza a pressão sobre aeroportos.
Qual seria o tempo máximo de viagem entre as duas cidades para tornar o projeto viável?
O tempo maior que o mercado admite para optar pelo trem são 105 minutos. Acima disso, o cara diz: eu vou de avião. Estamos colocando 93 minutos, que é outra coisa que estamos discutindo. Há o risco de o empreendedor não conseguir cumprir esse prazo sempre. Estamos pensando numa margem de tolerância, não podendo ultrapassar o teto de 105 minutos. Mas é possível ter trens regionais menos rápidos correndo na mesma via, por exemplo, entre Campinas e São Paulo.
Qual é a previsão de taxa de retorno do investimento?
A gente acha que o projeto como um todo gera para o investidor um retorno próximo a 10,5% para o capital próprio. A taxa interna de retorno do investimento é de 8%.